
Enquanto o Oswaldo despejava um monte de fórmulas matemáticas no quadro, eu procurava desesperadamente, por minha caneta preferida, uma rosa, ganhada de minha melhor amiga, no natal do ano passado.
Há três anos conheci a Rosana na praia. Ela estava nadando quando eu esbarrei nela. Ela deu um grito e levantou de supetão. Enquanto eu caí e enfiei a cara na água. Ela era bonita, cabelos pretos, lisos, mas nem tantos. Pele branca, cheia de sardas, tinha lábios grossos e fazia covinhas quando sorria. As unhas eram cortadinhas e limpinhas e ficavam naquela mão que foi estendida para me levantar e cumprimentar.
- Prazer, Rosana.
Ela sempre foi assim, sempre deixando pra lá as coisas ruins. Ela não faz questão de gritar e dizer milhões de desaforos, como geralmente todos fazem. E foi naquele verão que conheci o lado bom das coisas.
Até aquele dia, eu fazia questão de cobrar o que me deviam, mesmo que fosse um simples lápis pequeno de tanto apontar. Eu sempre descontei tudo o que me faziam e era grossa e agredia verbalmente as pessoas, assim como as meninas do colégio onde estudo.
Eu estava lá, morta de vergonha, em pé, em frente a uma desconhecida que não gritou e nem me mandou olhar para onde ando. Eu fiquei meio atordoada e achando um cúmulo ela dizer “prazer”. Respondida da melhor forma que pude, de acordo com as formalidades, não com as da Rosana.
- Marina. – Respondi – Ah, me desculpe. Eu sou meio atrapalhada.
É difícil alguém se condenar, tudo bem que atrapalhada não é defeito tão horrendo, mas não é comum ninguém se condenar como fiz, e eu estava preparada para ouvir outros milhões de adjetivos de péssima qualidade, estava esperando um empurrão, um dedo no nariz, e um berro estridente, quando tive uma enorme surpresa em relação à Rosana. Ela não era como todas as meninas arrogantes do meu colégio, ela não precisava ser estúpida pra ser superior.
- Desculpar? Pelo o que?
- Como pelo o quê? – Respondi boquiaberta com tamanha relevância dos fatos.
- Eu não tenho do que lhe desculpar. Eu estou viva, tenho dois braços, duas pernas, duas mãos, dois pés, 20 dedos e não ganhei nenhum arranhão ou hematoma.
- Mas eu atrapalhei você nadar. Perdoa-me.
- Já disse que não tenho do que lhe perdoar. Venha vamos nadar comigo!
Era surpreendente ver como ela reagia diante de qualquer situação constrangedora. Ela é digna do prêmio Nobel. Ela é meiga, encantadora, tão humana!
Eu, desde pequena, nadava com meus primos, em um rio ou lago. Só que eu não sabia nadar do jeitinho certo, profissional. Nadava como sabia, abrindo espaço entre as águas. Batia os pés de leve e pronto! Esse era o meu nadar.
Antes de esbarrar na Rosana, percebi-a ali, só não esperava que eu me chocasse com ela. Enquanto corria, vi o jeitão profissional do nado dela. Nadava perfeitamente. Era praticamente uma sereia. E agora, aquela perfeição do mar, me chamava pra nadar com ela. Eu iria passar o maior mico! Não! Eu definitivamente não podia nadar com ela.
- Desculpe. Não posso. – menti, tentando me livrar do convite.
- Não pode nadar? Por quê?
- Tenho que voltar para areia. Meus pais pediram comida em uma barraca. Menti de novo – Eu só vim lavar as mãos.
- Se você só tivesse vindo lavar as mãos, não tinha corrido até aqui. A água já está no seu umbigo!
- Eu aproveitei pra me lavar toda.
- Venha! Vamos nadar.
- Eu... Eu preciso sair! – falei um pouco nervosa.
- Ei! Porque está com vergonha? Antes de nadar assim, eu também não sabia ficava sem jeito e sem ar.
Outra característica da Rosana: ela é muito detalhista e capta as coisas por expressões e tremedeiras de vozes. Uma articulação, uma gesticulação, um sorriso forçado, um chutinho devagar na areia, o estralar de dedos, o olhar, enfim, TUDO!Tudo era percebido pela Rosana que sempre sabia o que eu estava pensando por causa dos pequenos detalhes.
Eu tinha 11 anos quando esbarrei nela. Foi em dezembro, em um doce verão. Ela é um ano mais velha. Eu nunca visto ninguém nadar tão bem quanto a Rosana, a não ser por televisão. E agora ela sabia meu segredo, sabia que eu não conseguia nadar. Tinha todos os motivos para rir e zombar de mim, assim como o povo do colégio. Mas novamente ela reagiu contra o meu costume e realidade.
- Pare com isso! Eu não vou rir de você.
- Não?
- Não! Eu posso até... Ajudar-te!
- Você é legal! – exclamei enquanto íamos nadando e conversando. – Acho que seremos grandes amigas!
Dito e feito. Ela começou a estudar no COLAE - Colégio Albert Einstein. Viramos melhores amigas, e ela era minha primeira melhor amiga. Ela me ensinou tanta coisa...
Nunca tive medo de algo como tive de perder a amizade da Rosana. Ela virou popular no colégio e um monte de gente queria ser a preferida dela. Eu não era da turma dela e tinha uma menina, a Kimberly, da qual a Rosana gostava muito. Eu morria de ciúmes até o dia em que a Rosana disse que eu era sua melhor amiga para sempre e que ninguém poderia tomar o meu lugar.